sexta-feira, 28 de agosto de 2009

Felicidade pariu


corpo doce gomo
suculento e leitoso
felicidade refém
de profano sonho fogoso

sopro quente impiedoso
que a sente em pele nua
sem pudor nem reticência
toma-a como sua

em mansa obediência
o abismo a derriça
entre renúncia e cobiça
felicidade mata o anseio
embalando o ventre cheio

comadre Silvina a parteira
com a valentia de Sifrá e Puá
manda fazer fogueira
tesoura barbante e trapo
garrafa e óleo para o parto

sabedoria intuitiva e bondade 
desafia a lei da sobrevivência
balbucia em tom de piedade
ritos e orações de assistência

como Astréia virgem fecunda
em harmonia traz ao mundo
das entranhas escorre fluido
a boca do corpo se abriu
novo ser dá um gemido

Felicidade pariu

grita a mulher ao marido
réu inconfesso
perverso e vil
olhar baixo e fugidio
rosna animal no covil

Felicidade pariu

abandonou o corpo
fechou os olhos
nunca mais os abriu 


Júlia Acabado


ilustração de Carlos Piecho



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