Que me calhou á nascença, sem opção,
Não escolhi, adaptei-me, tornei-me pensador
Eduquei-me sem saber o lugar das letras
Das palavras bonitas e desconhecidas
Que em frases se juntavam enfeitiçadas
Os livros eram condutores neutros
Não me levavam a lugar nenhum
Outros meninos caminhavam em direcção
Á justiça, á condição de ser criança
Ninguém me perguntou se queria aprender
Sobrevoando a minha história
Não escolhi o estandarte da pobreza
Estranha forma de me iniciar no mundo
Libertei-me da infância e do alfabeto
Fracturei desejos e sonhos
Não sabia ler, nem escrever
Nem reflectir sobre a minha própria condição
Faltava-me o requisito, o saber soletrar
Procurei em vão a minha autenticidade
Contava histórias avulso,
Recitava versos como um papagaio
Suave caminho do saber anónimo
Sobrevoando a minha história
Não escolhi uma identidade estilhaçada
Os mais velhos revezavam-se a contar contos
Não nego o legado precioso
Carregado de simbolismo e crenças
Códigos de mímica, sons e pausas maliciosas
Enfatizavam Deus, Pátria e Família
Universo mental curioso e analfabeto
Reportório deslocado no tempo
Epopeias ancestrais com heróis e vilões
Terminando em desenlace feliz
Sobrevoando a minha história
Prefácio de infância sem letras
Recordo a casa de telhas e taipa
A tonalidade das cores do campo
A valsa das papoilas vermelhas
Bandeando ao vento
O cheiro da terra
No domingo festeiro
Calçava os sapatos
Penteava a trança
Caída nas costas
Descia a rua
Arrojando a mão
Pelo muro da escola
Júlia Acabado
Ao ler o vosso blog apeteceu-me escrever algo sobre o que vivi no Portugal nesse estado novo.
ResponderEliminarAqui vai.
Parabéns Júlia
Parabéns Carlos
Adélia Mauppin
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Que faço eu aqui?
Aos treze anos esta pergunta, a mim mesma feita, nasceu dentro de mim
Nasceu-me no corpo, sem eu a pensar, à noite no chão da casa onde dormíamos
Éramos sete, sete pessoas
Na cama, os meus pais e os dois mais pequenitos
No chão, na enxerga de palha, eu, Rebeca, Janico, o meu irmão mais velho
e o meu tio Jaquim
E foi ali, envolta no cheiro da palha e dos suores, no escuro ouvindo os sons de gente dormindo que perguntei a mim mesma que fazia eu ali
Mais tarde dois anos, seguindo o meu tio, saltei fronteiras nas esconsas da noite
corri estradas a horas de ninguém passar
Cheguei às franças, magra de meter dó, mas descobri ali por fim resposta,
resposta á pergunta que naquela noite distante nasceu dentro de mim, mesmo sem eu saber