sexta-feira, 24 de abril de 2015

Cueiros de pano-cru


Moças e crianças rumando ao rio
Cantam e riem ao romper da aurora
Sabão em pedra e trouxas de suja roupa
Fogareiros panelas e taleigos de chita
Risos e entusiasmo trilham caminhos fora
Levantando poeira em terra bendita
Claridade soberba no céu a nu
Desfazem-se fardos de lençóis
Mantas cueiros de pano-cru
Colorido de roupa sob a sanha do sol
Crianças dormindo em quadro moldurado
Sem perfumante ou clareante
Lavam desejo e amargura em água doce
As mãos apanham o rio petulante
Que entre os dedos se derrama
Cueiros de pano cru remendado
Coram debaixo de sol assanhado
Moças do rio batem a roupa
Na sedosa pedra polida
Seus poros refrescam na água em despedida
Num fluxo sem pressa e composto
Enquanto o vento escorrido lhes lambe o rosto
Esculturas egocêntricas abraçam o rio
Que desliza entre sinuosas curvas
Abrindo as margens carregadas de cio
Moças do rio folheiam dobras da roupa
Enterram o silêncio em trovas quentes
Num ritmo brando doce e crente
Abrigo seguro de vocação
Moças do rio suas crias arrimam
Ao peito com ternura e sedução
Enquanto estas lhe sentem o gosto
Tateiam seus seios com o beiço sequioso
Em doce movimento de respinga
O branco leite
sugam morno do mamilo da mãe
Moças do rio torcem cueiros 
Metamorfoseando primavera em mocidade
Asas de veludo fino de tocado
Remam á outra margem
Coração ingénuo domado
Entre o desejo e veleidade

Júlia Acabado

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